Nuvens cinzentas cobriam todo o céu. A pouco e pouco pequenas gotas de chuva caíam em cima dos casacos pretos das pessoas que saíam a passos curtos da igreja. Todos choravam a morte do amigo. Não tinha filhos nem netos nem tão pouco irmãos ou sobrinhos. Tinha apenas amigos. Amigos que choravam à porta da igreja.
Senhoras já todas de cabelo branco, e com casacos pretos seguravam o braços umas das outras enquanto limpavam as lágrimas com os lenços brancos com pequenos bordados nas pontas. Os homens, também já todos com bastantes cabelos brancos começavam a abrir os chapéus de chuva. Pequenos sons de pequenas gotas a baterem no tecido do chapéu começavam a ouvir-se.
Os amigos, os conhecidos, as pessoas, começavam a fazer um corredor à porta da igreja todas esperando que o caixão saísse. Seis homens, com fatos pretos e rostos bastante taciturnos começaram a descer as escadas com um caixão nas mãos.
Tinham uma estrada de terra com bastantes poças e lama a percorrer até ao cemitério. De ambos os lados existiam altas árvores que no outono deixavam a estrada cheia de folhas onde todos gostavam de passear e ouvir as folhas a partir.
A chuva que agora caía com mais força batia no caixão que passava a passos pequenos pelo corredor de pessoas. Todos olhavam com pena o caixão. O melhor homem que tinham conhecido deixava-os.
Uma procissão de pessoas caminhava pela estrada. Todos olhavam para o chão. Uns porque não queriam pisar nenhuma poça, outros porque não conseguíam parar de chorar.
- Ele não morreu sozinho. Viveu feliz. Morreu feliz. Ele é uma pessoa feliz!
A senhora tira o lenço preto que lhe tapava o cabelo e deita-o no chão. Descalça os sapatos e começa a trotear. À medida que avança os seus braços desenham círculos no ar.
As pessoas começam a deitar no chão os chapéus de chuva e a despir os casacos que vão deixando no chão. Todos começam a celebrar a vida do amigo.
Todos dançam, todos cantorolam músicas que dançaram com o amigo. Com os pés descalços e cheios de lama, sorrisos nos rostos, cabelos molhados e uma felicidade extrema, todas as pessoas caminham para o cemitério. As pessoas já não se agarram umas às outras. Todas dançam, todas se exprimem, todas amam, todas amaram. Ele foi amado!
Entram no cemitério, continuam a cantar, a dançar e a correr em volta do amigo. O cemitério ganha vida. Os mortos ganham vida... os mortos também dançam. Celebram o novo amigo.
As mulheres vão lançando flores. Cravos, rosas, todo o tipo de flores.
O caixão entra na morada final a sete palmos de terra. Ele vê todos os amigos lá em cima. Agora nenhum dança, nenhum ri, nenhum canta. Apenas olham. Olham para o amigo que os fez ser um bocadinho mais feliz! Continua a chover e a noite depressa chega. Nenhuma das pessoas presentes diz uma palavra. Todas continuam em pé. Já é de noite. Todos se deitam e todos adormecem. Todos dormem na companhia do amigo até à manhã seguinte. Todos foram felizes. Todos recordam. Todos o têm no coração até morrerem também. Todos amaram. Ele foi amado, foi feliz, fez alguém feliz...
- Até um dia - disse ele.
5 comentários:
Não tenho palavras...
Brilhante! Ainda bem que voltaste com as tuas histórias :)
Muito bom !
Gostei bastante do texto...
Um dos meus medos é sem dúvida morrer sozinho.
Abraço
Fantastico Tiago! Mesmo. Tu quando queres superas-te!
****
Eu quero que o meu funeral seja assim! estás a partir deste dia incumbido de assegurar que ele seja assim! Feliz e bonito como este:) obrigada!!
Enviar um comentário